No último 24/abril cerca de 400 integrantes de diversos movimentos sociais, com destaque para o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, ocuparam a área onde a empreiteira Camargo Corrêa executa as obras de construção das eclusas do rio Tocantins, represado com a hidrelétrica de Tucuruí.
Segundo dados do MAB já foram construídas mais de 2 mil barragens no Brasil, com objetivos diversos, que inundaram áreas onde viviam mais de 1 milhão de pessoas, que além de terem sido expulsas de suas terras, encontraram dificuldades para receberem as indenizações devidas. Estima-se que 70% desse total não recebeu nenhum tipo de pagamento por suas propriedades, engolidas pelas águas.
Construída pela mesma Camargo Corrêa, entre 1976 e 1984, durante o regime militar, a UHE Tucuruí tem um histórico de destruição, agressão ao meio ambiente e injustiça social. Cerca de 30 mil famílias aguardam até hoje a completa garantia de seus direitos. Parte delas optou por se organizar e lutar. E foram muitas lutas nesses 25 anos.
O acampamento iniciado no dia 24/abril era mais um capítulo dessa resistência. Entretanto, dois dias depois, a Polícia Militar do Estado do Pará, com a intransigência que lhe é peculiar, seja sob as ordens de Almir Gabriel / PSDB ou de Ana Júlia / PT, com a cumplicidade do Poder Judiciário e do Ministério Público estaduais, despejou centenas de trabalhadores rurais e pescadores, prendendo 16 homens e 2 mulheres, dentre os quais um senhor de 70 anos.
Imediatamente os advogados, que não se renderam aos cantos de sereia do governo frente-populista e continuam defendendo os movimentos sociais, entraram com pedidos de liberdade provisória e habeas corpus. Mas esses pedidos se perderam nos corredores da Justiça paraense – os mesmos corredores nos quais se perderam os processos em que Jáder Barbalho era acusado de corrupção – e até hoje, 14 dias depois, sequer foram julgados. Muito diferente dos pedidos que envolvem crimes financeiros, quando liminares concedendo liberdade a banqueiros, especuladores, políticos ou grandes empresários são assinadas em caráter de urgência, seja em domingos ou feriados, a qualquer hora do dia ou da noite.
Nessas duas semanas os companheiros seguem encarcerados em penitenciárias onde se encontram assassinos, estupradores, traficantes e outros criminosos – menos aqueles que usam “colarinho branco” – numa absurda comprovação da campanha de criminalização dos movimentos sociais e da violação dos diretos humanos na “Terra de Direitos”, pregada pelo PT paraense.
No dia 02/maio uma comissão formada por sindicalistas e estudantes do PSOL, representando o SINTSEP-PA, o SINTUFPA, o DCE-UNAMA e a Oposição CONLUTAS/Educação, visitou os 16 homens presos na Penitenciária de Americano II. Deles ouviram palavras de revolta e indignação. Mas também de confiança no fortalecimento de sua luta e confiança nos companheiros de suas organizações que ficaram em Tucuruí, em vigília permanente, até que sejam libertados. Expressaram a preocupação com sua integridade física, pois é do conhecimento de todos que, tal qual ocorria nos porões da ditadura, “brigas” e “rebeliões” em cadeias podem servir como pretexto para tirar a vida de dirigentes sindicais e populares. No dia seguinte houve a tentativa de visita às duas mulheres que se encontram no presídio feminino, mas, diante da impossibilidade, foi deixada uma nota de solidariedade e notícias dos outros dezesseis companheiros presos.
No dia 07/maio, na Praça dos Mártires de Abril, foi realizada uma vigília para protestar e exigir a libertação dos detidos. Dúzias de velas foram acesas na base da “Coluna da Infâmia”, obra do artista plástico holandês Jens Galschiot, integrante do movimento Arte em Defesa da Humanidade. A escultura, com oito metros de altura, foi inspirada na sua indignação e revolta após o massacre de 19 trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, assassinados pela polícia militar paraense durante o governo tucano, em 1996.
No centro da praça, militantes do PSOL cantavam: “Liberta, liberta, liberta, já! Nenhum preso político no estado do Pará!”. No carro-som se revezavam dirigentes de organizações sindicais, estudantis e populares, como DCE’s da UNAMA e da UFPA, SINTSEP-PA, SINTUFPA, CONLUTAS, SDDH, MST e MAB, dentre outras.
Faz-se necessário ressaltar que, mesmo tendo filiados seus entre os presos, o PT não participou do ato e não tem se mobilizado para reverter as prisões. E ainda ligaram para um dos organizadores para criticar a conotação de prisão política e os ataques ao governo Ana Júlia, tentando cancelar a vigília.
Em todas as intervenções o repúdio à prisão dos companheiros e a exigência de liberdade se fez presente. A comparação com o tratamento dado aos verdadeiros criminosos foi inevitável: “Enquanto nossos companheiros, lutadores do povo, estão presos, Daniel Dantas está em liberdade. Ele é quem deveria estar atrás das grades”. “Pescadores e lavradores estão presos. Banqueiros e latifundiários estão soltos”.
Foi denunciada a omissão e a morosidade do Estado na apuração dos 14 assassinatos de pessoas ligadas à luta pela terra na região de Tucuruí nos últimos anos e a postura do judiciário, que se nega a analisar o pedido de liberdade provisória, protocolizado logo após a prisão e para o qual é exigida urgência na tramitação, em documento assinado, em 05/maio, por 14 entidades e endereçado ao presidente do TJE-Pará.
Para quebrar a rigidez dos discursos, vez por outra eram citadas poesias e canções: “Não tem preço a liberdade, não tem dono. Só quem é livre sente prazer em cantar. Se o passarinho canta mais quando está preso, é por desejo de ter espaço pra voar”.
Em seguida, em um telão montado na praça, foi mostrada a filmagem realizada por um militante do MAB, registrando o momento em que a tropa de choque avança contra os manifestantes e efetua as prisões. São cenas que impressionam pela covardia com que a PM agiu e destroem qualquer argumento de que os ocupantes reagiram.
Nas filmagens podemos ouvir algumas pérolas pronunciadas pelo Promotor de Justiça de Tucuruí, que acompanhava o despejo, como: “a operação se faz necessária em homenagem ao Estado Democrático de Direito” ou “a não violência é o lema desta operação”. Isso depois de ter intimidado o cinegrafista: “quem é você? Identifique-se. Vou requisitar essa fita como prova”. Tudo pronunciado enquanto ao fundo víamos imagens de quatro policiais em cima de um manifestante, jogado ao chão. Ou cenas de crianças chorando ao verem seus pais sendo presos. Ou bombas de efeito moral explodindo perto das famílias, que corriam para longe da polícia. Ou as filas de pescadores e trabalhadores rurais sendo submetidos à humilhantes revistas, como se fossem marginais.
Em nenhum momento se observa qualquer tentativa de reação ou ataque contra os policiais, cujo comandante, na presença do Promotor de Justiça, ameaça em certo momento prender aqueles que estivessem em grupos: “Se eu encontrar um grupo de quatro pessoas vou conduzir para a delegacia”.
Ao fim da exibição, sob um ar de perplexidade e revolta, ouvimos o companheiro Rogério, do MAB, agradecer a presença de todos e fazer um compromisso de seguir a luta. Durante sua fala os manifestantes passaram a distribuir e acender velas, preparando o final da vigília, cujo cortejo seguiu até um dos cantos da praça, onde está instalada a Coluna da Infâmia. E sobre sua base, próximo às figuras humanas que se contorcem e se amontoam, foram depositadas velas e proclamadas juras de resistência e combate.
Lembrei-me então, do trecho final da carta escrita em nome de Lula após a derrota para Collor em 1989: “Seremos oposição a toda forma, aberta ou disfarçada, de tirania”. Parece que eles esqueceram. Mas nós faremos questão de lembrar e seremos oposição a toda forma, aberta ou disfarçada, de criminalização dos movimentos sociais. Liberta, liberta, liberta, já! Nenhum preso político no estado do Pará!
Nenhum comentário:
Postar um comentário