sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Carta para o outro lado do muro

Carta para o outro lado do muro
(o lado oposto onde se encontram Dilma e Aécio)

Caro Jean Wyllys, não nos conhecemos, mas nutrimos gostos comuns: sou militante do PSOL e também não gosto de muros. Gosto de derrubá-los. Aliás, neste ano comemoramos o 25º aniversário da queda do Muro de Berlim, derrubado pela ação revolucionária (mais uma vez) dos trabalhadores alemães.
Teremos bastante trabalho pela frente, pois há muitos muros que precisam ir para o chão. Tanto os reais, como aquele erguido pelos sionistas israelenses em solo palestino, quanto os metafóricos, como os preconceitos contra a comunidade LGBT e contra os povos indígenas.
Li a tua carta, onde fazes a opção pelo voto em Dilma. E hoje pela manhã também li a decisão do Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassando a liminar que havia interrompido a construção da hidrelétrica de São Manoel, no rio Teles Pires, um dos formadores do rio Tapajós. Em sua manifestação o Desembargador Cândido Ribeiro alega que a paralisação da obra “tem o condão de acarretar grave lesão à ordem e à economia públicas”. Para o magistrado a defesa da “ordem” e da economia pública tem valor maior que a vida humana e o meio ambiente.
Para quem não acompanha o assunto, a Justiça Federal do Mato Grosso, em decisão de primeira instância, no último dia 13/09, havia determinado a suspensão das obras para o barramento do rio Teles Pires em razão do “descumprimento da obrigação da consulta prévia, livre e informada aos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”. Essa decisão foi derrubada, acatando-se recurso dos órgãos do governo Dilma.
Note-se que a tática utilizada foi a mesma empregada largamente no período da ditadura civil-militar: a suspensão de segurança. Em resumo trata-se do seguinte: o presidente de um Tribunal derruba uma decisão judicial de instância inferior, em favor de uma das partes, pelo simples fato de achar que aquela decisão pode colocar em risco a economia do país. Sem julgar o mérito da questão. Sem julgar se o motivo da disputa judicial é válido ou não. Essa tática, abominável sob a luz da democracia, foi usada em dezenas de ações civis públicas que tentavam impedir a construção da hidrelétrica de Belo Monte, recheada de ilegalidades.
Fiz esse breve esclarecimento, Jean, porque em tua carta afirmas que irás votar em Dilma porque ela se comprometeu com cinco pontos, os quais enumeras. Dentre eles, um me chamou a atenção, pois se refere a assunto no qual tenho me envolvido, enquanto ativista de movimentos sociais. Falas que a presidenta Dilma “garantiu que, desta vez, vai (...) dar maior atenção às reivindicações dos povos indígenas, conciliando o atendimento a essas reivindicações com o desenvolvimento sustentável”.
Jean, isso é MENTIRA do governo Dilma. Os fatos que narrei acima comprovam isso (e posso te dar outros inúmeros fatos, se preciso for). Os governos petistas tem insistido em passar por cima das populações indígenas e ribeirinhas na Amazônia. Os governos petistas tem passado por cima de pescadores e comunidades quilombolas. Os governos petistas tem passado por cima dos povos da floresta, sempre que algum deles se coloca na frente da implantação de qualquer grande projeto capitalista, em especial, mineração, agronegócio e geração de energia.
No final da tua carta, escreves que se a Dilma não cumprir esses compromissos serás o primeiro a cobrá-la, junto com a gente. Não tenho dúvida quanto a isso, camarada. Tenho certeza que poderemos contar contigo. Como tenho a certeza (em razão dos fatos recentes) que um futuro governo Dilma não tomará partido das causas indígena e ambiental, sempre que estas estiverem no caminho do agronegócio ou da mineração. Por isso, Jean, não suja tuas mãos com sangue indígena, quilombola ou ribeirinho, que inevitavelmente será derramado pelo governo petista, em harmonia com latifundiários e madeireiros.
Não tenho a pretensão de que mudes de opinião, se vieres a tomar conhecimento desta carta antes da eleição (mas ficaria imensamente feliz se mudasses). Porém, se por acaso leres, te peço que retires de tuas argumentações o suposto compromisso de Dilma em dar “maior atenção” aos povos indígenas. Estás levando a milhões de trabalhadores, que te ouvem e te respeitam, a ilusão de que em um segundo mandato Dilma iria virar as costas para a turma do agronegócio assassino. Isso não ocorrerá.
Dizes que temos que “avaliar com discernimento e escolher o lado do muro que está mais de acordo com o que se espera da vida”. Tenho pleno acordo. O problema é que Dilma e Aécio estão do MESMO lado do muro. Nós, socialistas, estamos do outro lado, junto com trabalhadores, ambientalistas, povos indígenas; junto com os 99%; junto com a parcela da população que diariamente é explorada, oprimida, violentada, saqueada. Esse é o nosso lado.
Como disse antes, também não gosto de muros. E muito menos de ficar encima deles. Votar NULO é tomar posição! Posição contra uma falsa polarização entre esquerda e direita, que não existe nesse 2º turno no Brasil. Há muito o PT deixou de ser “de esquerda”. Pastores fundamentalistas? E o Bispo Macedo apoia quem? Ultrareacionários e difamadores fascistas? Kátia Abreu é o quê, afinal? Política econômica liberal, criminalização dos movimentos sociais, corrupção? Estamos falando de quem? PSDB ou PT? Coligação com partidos da ultradireita? O PP (ex-ARENA) de Paulo Maluf é base parlamentar de quem? No Pará o PT está em coligação com Jáder Berbalho e com o DEM (também ex-ARENA). Em 2010 Levy Fidélix estava junto com Dilma no 2º turno. Vai repetir o apoio? Que busquem qualquer adjetivação para a disputa entre Dilma e Aécio, mas dizer que é Esquerda X Direita, isso não é.
Deixo claro que esta carta não é um insulto ou ataque à tua posição. Abomino esse tipo de tratamento entre camaradas socialistas. É apenas uma carta para expressar minha indignação com a forma de tratamento que vem sendo dispensada aos povos indígenas pelos governos petistas.
E é também uma carta de decepção, pois em outros momentos senti orgulho em fazer postagens dizendo: “Jean Wyllys me representa”. Entretanto, de hoje até o dia da votação do 2º turno, tu, Jean, não me representas mais (e nem Freixo).
“Nem o passado como era, nem o presente como está”.
“Nada deve parecer impossível de mudar”.
Voto NULO.


Mauricio Santos Matos
Ativista do Comitê Metropolitano Xingu Vivo e do Movimento Xingu Vivo Para Sempre;
Membro do Setorial Nacional Ecossocialista do PSOL



terça-feira, 29 de abril de 2014

Munduruku do Tapajós convocam Governo Federal para discutir território indígena

Ao governo brasileiro e à sociedade brasileira

Nossos caciques, pajés, lideranças, guerreiros, mulheres e crianças do povo Munduruku, reunidos na terceira assembléia do Movimento Munduruku Ipereng Ayu, declaramos para o poder judiciário e a sociedade brasileira que temos total disposição para dialogar um processo democrático de consulta prévia, livre, informada e de boa fé, conforme a convenção 169 da OIT.
Para continuar esse diálogo, que não é negociação dos nossos direitos, convidamos o ministro Gilberto Carvalho, Ministro das Minas e Energia, Presidente da Eletrobrás, Funai, Ministério Público Federal e observadores da sociedade civil, para um encontro na aldeia Sai Cinza, município de Jacareacanga, PA, a ser realizado no dia 1 de maio de 2014.
Queremos que o governo prove sua boa fé, publicando o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawre Muybu do Médio Tapajós, e o cancelamento de todas as licenças de pesquisa e lavra no subsolo da Terra Indígena Munduruku emitidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral para grandes empresas mineradoras.

Assembléia Munduruku, aldeia Missão Cururu, 25 de abril de 2014

Respeitosamente,
Josias Manhuary Munduruku – Líder dos guerreiros
Maria Leusa Cosme Kaba Munduruku – Representante das mulheres
Vicente Saul Munduruku – Cacique aldeia Sai Cinza
Arlindo Kaba Munduruku – Cacique aldeia Missão


Ler mais em: Comitê Metropolitano Xingu Vivo


quinta-feira, 24 de abril de 2014

Não vai ter a Copa que eles queriam

Não vai ter a Copa que eles queriam

Semanas atrás, discutia sobre a consigna “#naovaitercopa” nas redes sociais. Como forma de criticar minha opinião me foi apresentado um link com um artigo cujo título era: “Bye bye coxinhas! O povo apoia a Copa do Mundo!”. Acessei o sítio onde se localiza o determinado escrito e pude observar que seu autor explodia em emoção ao comentar os números de uma pesquisa do IBOPE, divulgada em fins de fevereiro/2014.
Dizia que “a maioria do povo brasileiro quer a Copa”, que “o apoio à Copa cresce na proporção que declina a renda das famílias” e a população “por consequência, se posiciona contra os protestos” que tem levado às ruas palavras-de-ordem contrárias à realização da Copa no país. E para embasar sua opinião apresentava dois quadros retirados da tal pesquisa, realizada em um universo de 2002 cidadãos brasileiros.
O primeiro quadro mostra que 58% do total de entrevistados é a favor da Copa; 38% são contra e 4% foram inscritos em “não sabe/não respondeu”.
É feito um comparativo com a renda familiar. Entre aqueles que ganham mais de 5 salários mínimos, o apoio à Copa é de 51%, subindo para 58% entre aqueles que ganham de 2 a 5 salários mínimos e para 61% entre os entrevistados que ganham de 1 a 2 salários mínimos. E o apoio à Copa do Mundo no Brasil tem seu pico naqueles que ganham menos de um salário mínimo por mês, chegando a 68%.
Observa-se, então, que os números confirmam aquilo que os governistas vem falando: “a maioria do povo quer a Copa e esse apoio cresce entre os mais pobres”. E assim, respaldados pelas pesquisas de opinião, os governistas pulam de felicidade.
É certo que os números não mentem, jamais! Mas, cá entre nós, eles podem ser manipulados. E como são... como “nunca antes na história desse país”. Entretanto, que outras conclusões podemos tirar desses números?
Em primeiro lugar, os números totais: 58% da população apoia a Copa. Isso significa dizer que quase 40% dos brasileiros NÃO quer a Copa no Brasil!!!! Esse é um número alto demais. Não podemos esquecer que o Brasil é o “País do Futebol”; que diariamente boa parte da população discute sobre seus times e a rivalidades com as outras torcidas; que desde 1950 o Brasil não sedia uma Copa do Mundo; que há todo um bombardeio de informações pela mídia, sobre futebol; que os torcedores (e o povo) brasileiros há muito desejavam que uma nova Copa fosse realizada no país; que o governo federal vem fazendo uma forte propaganda sobre os benefícios da Copa; que foram destinados bilhões para obras relativas à realização da Copa. E ainda assim, 38% dos entrevistados disseram NÃO à Copa!!! Esses são números para o Governo Dilma comemorar? Não creio.
Mas, vamos em frente: entre os mais pobres o apoio à Copa aumenta para 68%. Repito, então, os mesmos argumentos do parágrafo anterior: com toda essa histórica reivindicação da Copa no Brasil e com todo o bombardeio dos meios se comunicação, a pesquisa identificou que 28%, dentre os mais pobres, NÃO quer a Copa!!!! É quase 1/3 da população com mais baixa renda, que é a parte mais vulnerável à política do “Pão e Circo”. E mesmo entre essa faixa da população os números contrários são bastante representativos.
Foi ainda estabelecida uma relação entre quem é a favor ou contra a Copa e qual sua avaliação sobre o Governo Federal. Cerca de 40% avaliam o governo como “ótimo/bom”, 36% “regular” e 24% “ruim/péssimo”.  E mesmo dentre aqueles que apoiam o governo (ótimo/bom), um em cada cinco, NÃO quer a Copa!!! Definitivamente, não são números para os governistas comemorarem.
E ainda faz-se necessário mencionar o quão tendenciosa foi a pergunta que resultou nos dados acima. Vejam: “P.06) Ainda falando sobre a Copa do Mundo, o(a) sr(a) diria que é a favor ou contra a realização da Copa do Mundo no Brasil?”. Ora, o fato de alguém criticar os gastos da Copa e a falta de investimento em áreas como Saúde e Educação, não significa dizer que essa pessoa seria contra a Copa no país. Ela poderia ser a favor, mas desde que houvesse uma série de benefícios à população, trazidos junto com a realização do evento esportivo.  Ou seja, o que esperaríamos de um típico cidadão do País do Futebol? Que ele respondesse algo como: “tenho críticas e acho que o governo tem que investir em outras áreas, também, mas sou a favor da Copa no Brasil”. Não é verdade?
Mas a pergunta do IBOPE apresenta o pacote pronto: contra ou a favor da Copa? E mesmo assim, 40% responderam: sou CONTRA!
No segundo quadro, retirado da pesquisa de opinião, pede-se que o entrevistado dê uma nota de 01 a 10, para se aferir o nível de apoio às manifestações contra a Copa no Brasil. A nota média foi 4,5. Se levarmos em conta somente a frieza dos números, chegaremos à conclusão de que as manifestações foram reprovadas pela população. E toma-lhe comemoração dos governistas. Mas sugiro uma análise mais detalhada dos números, que não mentem jamais, conforme o dito popular.
De acordo com o enunciado da questão, dar a nota 1 (um) significa que o entrevistado “não apoia de jeito nenhum” as manifestações. E foram 27% que deram essa nota. Disparado, o maior percentual, se consideramos as notas individualmente. Apenas 7% deram nota 10 (dez) o que significa que “apoia totalmente” as manifestações. E toma-lhe comemoração dos governistas: “viram? O povo é contra as manifestações”, diriam.
Mas há outros ângulos pelos quais podem ser vistos os números. Ora, excetuando-se os 2% classificados como “não sabe/não respondeu”, sobra um total de 71% que manifesta algum nível de apoio aos protestos contra a Copa, respondendo com notas que variam de 2 (dois) a 10 (dez).
E se levarmos em consideração aqueles que deram notas entre 7 a 10, revelando um alto nível de apoio às manifestações de rua, teremos 26% do total de entrevistados, número semelhante aos que não apoiam.
Mais uma vez a manipulação dos números pode ser colocada em prática pelos governistas: aqueles que não apoiam as manifestações são todos colocados em um único grupo (nota 1,0), representando 27% da população; e aqueles que manifestam algum nível de apoio são divididos em nove grupos (notas 2,0 a 10), cujo máximo atinge 16% (nota 5,0).
A análise desses números é interessante para entramos em um dos debates que percorre a esquerda brasileira na atualidade: é um erro levantar a consigna “não vai ter copa”?
Alguns setores da esquerda dizem que essa palavra de ordem é sectária e não dialoga com setores de massa da classe trabalhadora. Segundo a pesquisa acima, 39% dos entrevistados com renda familiar entre 2 a 5 salários mínimos, são CONTRA a realização da Copa no Brasil. E nessa mesma faixa salarial 25% manifestaram alto nível de apoio aos protestos de rua, dando notas de 7,0 a 10.
E se formos em direção à “classe média”, onde estão boa parte dos trabalhadores organizados em sindicatos e partidos de esquerda, observaremos números maiores: 46% dos entrevistados com renda familiar acima de 5 salários mínimos (R$ 3.620,00), são CONTRA a Copa no Brasil. E 35% dão notas de 7,0 a 10 às manifestações contra a Copa, demonstrando alto nível de apoio aos protestos de rua.
Se considerarmos os números totais (38%) daqueles que responderam ser CONTRA a Copa no Brasil, como um reflexo da opinião do conjunto da população brasileira, teremos nada menos que 72 milhões de pessoas para dialogar (ou cerca de 52 milhões de eleitores). Não é um número nada desprezível. Ainda mais se o compararmos com os números dos eleitores de alguns candidatos do PSOL e PSTU à presidência da República em 2006 (Heloísa Helena, 6,5 milhões de votos) e 2010 (Zé Maria, 84.600 votos).

A palavra-de-ordem “não vai ter copa” não dialoga com um expressivo setor de massas da classe trabalhadora??? Bem, como diz o ditado popular, “os números não mentem”, jamais...