Sobre a soltura de Cesare Battisti
Carlos A. Lungarzo
Quatro dias depois que o ex-chefe do estado brasileiro, Lula da Silva, decretasse extinta a extradição do escritor italiano Cesare Battisti, ele ainda continua preso. É oportuno lembrar que, durante a terceira oitiva do julgamento da extradição 1085, quando, como parte final da sessão, foi reconhecido (por 5 votos contra 4) o direito do presidente a decidir sobre a aplicação ou rejeição da extradição, o então relator e atual presidente do STF disse, em tom de desafio, que se o governo se empenhava em não extraditar Battisti, ele seria submetido à “crueldade” de continuar na prisão, uma frase paradoxal, dita como se Cesare fosse esperado na Itália para ser alojado num hotel de 6 estrelas.
Mas, o principal desta afirmação não foi o caráter contraditório, mas a promessa que envolvia: se Battisti fosse livrado da extradição ficaria como refém dos inquisidores.
Esquema do Processo
O processo de extradição 1085 é, apesar de sua tortuosidade moral, muito simples do ponto de vista lógico. Itália pediu, em condição de parte suplicante, a extradição de Battisti, com base em supostos crimes cometidos na Itália, e com apóio legal no Tratado de Extradição Brasil-Itália.
O STF aceitou julgar o pedido, cometendo duas ilegalidades: continuou um processo que devia ter sido arquivado quando o requerido ganhou a condição de refugiado (janeiro de 2009), e manteve o requerido em prisão, um ato totalmente oposto e até claramente contraditório com a idéia de refúgio. (Refugia-se alguém para protegê-lo, mas, então, é a prisão um lugar de proteção?)
Estas arbitrariedades ficaram ofuscadas por um ato que, até o dia de hoje, não reconhece precedente em nenhum dos países ocidentais, tanto os que seguem o Common Law, como os que usam um direito similar ao nosso: o STF anulou a validade do refúgio, um ato executivo por excelência. Nem a própria Itália cometeu uma anomalia similar: o caso do líder turco Öcalan, apesar de ser igualmente grave, não violou nenhuma lei. Com efeito, quando o ministro Massimo d’Alema tendeu uma cilada a Öcalan, para que fosse capturado pela CIA e a Mossad e entregue aos turcos, com uma falsa promessa de refúgio, ele realmente não estava refugiado no sentido jurídico do termo.
É verdade que a partir da anulação do refúgio de Battisti tudo se torna ilegal e sem sentido, como fizeram notar os 4 juízes que votaram contra. Entretanto, sendo que o processo continuou e que não há nenhuma autoridade que possa questionar o despotismo (nada ilustrado) da corte, porque, afinal, “supremo” é o que está no topo, uma forma de coerência era reconhecer como válidas todas as moções aprovadas nesse julgamento.
Na terceira sessão, o STF aprovou o “direito” (ou seja, criou um direito que já existia) do chefe de estado de decidir sobre a extradição. Numa sessão adicional, gerada por uma manobra obscura entre a defesa da Itália e a cúpula do Excelso Pretório, aprovou-se uma moção de ordem que, como disse Marco Aurélio de Mello, foi uma virada de mesa, na qual foi arrancada ao bondoso e paternal ministro Eros Grau, a exigência de que o chefe do estado, ao decidir sobre o caso, devesse ater-se ao Tratado Brasil-Itália. Isto era uma obviedade absoluta, inventada porém como pretexto para futuras manobras.
Aqui acaba a história jurídica, que ficou registrada no acórdão de abril de 2010.
Ler mais em: http://cesarelivre.org/node/303
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