Não vai ter a Copa
que eles queriam
Semanas atrás, discutia sobre a
consigna “#naovaitercopa” nas redes sociais. Como forma de criticar minha
opinião me foi apresentado um link com um artigo cujo título era: “Bye bye
coxinhas! O povo apoia a Copa do Mundo!”. Acessei o sítio onde se localiza o
determinado escrito e pude observar que seu autor explodia em emoção ao comentar
os números de uma pesquisa do IBOPE, divulgada em fins de fevereiro/2014.
Dizia que “a maioria do povo
brasileiro quer a Copa”, que “o apoio à Copa cresce na proporção que declina a
renda das famílias” e a população “por consequência, se posiciona contra os
protestos” que tem levado às ruas palavras-de-ordem contrárias à realização da
Copa no país. E para embasar sua opinião apresentava dois quadros retirados da
tal pesquisa, realizada em um universo de 2002 cidadãos brasileiros.
O primeiro quadro mostra que 58%
do total de entrevistados é a favor da Copa; 38% são contra e 4% foram
inscritos em “não sabe/não respondeu”.
É feito um comparativo com a
renda familiar. Entre aqueles que ganham mais de 5 salários mínimos, o apoio à
Copa é de 51%, subindo para 58% entre aqueles que ganham de 2 a 5 salários
mínimos e para 61% entre os entrevistados que ganham de 1 a 2 salários mínimos.
E o apoio à Copa do Mundo no Brasil tem seu pico naqueles que ganham menos de
um salário mínimo por mês, chegando a 68%.
Observa-se, então, que os
números confirmam aquilo que os governistas vem falando: “a maioria do povo
quer a Copa e esse apoio cresce entre os mais pobres”. E assim, respaldados
pelas pesquisas de opinião, os governistas pulam de felicidade.
É certo que os números não
mentem, jamais! Mas, cá entre nós, eles podem ser manipulados. E como são... como
“nunca antes na história desse país”. Entretanto, que outras conclusões podemos
tirar desses números?
Em primeiro lugar, os números
totais: 58% da população apoia a Copa. Isso significa dizer que quase 40% dos
brasileiros NÃO quer a Copa no Brasil!!!! Esse é um número alto demais. Não
podemos esquecer que o Brasil é o “País do Futebol”; que diariamente boa parte
da população discute sobre seus times e a rivalidades com as outras torcidas;
que desde 1950 o Brasil não sedia uma Copa do Mundo; que há todo um bombardeio
de informações pela mídia, sobre futebol; que os torcedores (e o povo)
brasileiros há muito desejavam que uma nova Copa fosse realizada no país; que o
governo federal vem fazendo uma forte propaganda sobre os benefícios da Copa;
que foram destinados bilhões para obras relativas à realização da Copa. E ainda
assim, 38% dos entrevistados disseram NÃO à Copa!!! Esses são números para o
Governo Dilma comemorar? Não creio.
Mas, vamos em frente: entre os
mais pobres o apoio à Copa aumenta para 68%. Repito, então, os mesmos
argumentos do parágrafo anterior: com toda essa histórica reivindicação da Copa
no Brasil e com todo o bombardeio dos meios se comunicação, a pesquisa
identificou que 28%, dentre os mais pobres, NÃO quer a Copa!!!! É quase 1/3 da
população com mais baixa renda, que é a parte mais vulnerável à política do
“Pão e Circo”. E mesmo entre essa faixa da população os números contrários são
bastante representativos.
Foi ainda estabelecida uma
relação entre quem é a favor ou contra a Copa e qual sua avaliação sobre o
Governo Federal. Cerca de 40% avaliam o governo como “ótimo/bom”, 36% “regular”
e 24% “ruim/péssimo”. E mesmo dentre
aqueles que apoiam o governo (ótimo/bom), um em cada cinco, NÃO quer a Copa!!!
Definitivamente, não são números para os governistas comemorarem.
E ainda faz-se necessário
mencionar o quão tendenciosa foi a pergunta que resultou nos dados acima.
Vejam: “P.06) Ainda falando sobre a Copa do Mundo, o(a) sr(a) diria que é a
favor ou contra a realização da Copa do Mundo no Brasil?”. Ora, o fato de
alguém criticar os gastos da Copa e a falta de investimento em áreas como Saúde
e Educação, não significa dizer que essa pessoa seria contra a Copa no país. Ela
poderia ser a favor, mas desde que houvesse uma série de benefícios à
população, trazidos junto com a realização do evento esportivo. Ou seja, o que esperaríamos de um típico
cidadão do País do Futebol? Que ele respondesse algo como: “tenho críticas e acho
que o governo tem que investir em outras áreas, também, mas sou a favor da Copa
no Brasil”. Não é verdade?
Mas a pergunta do IBOPE
apresenta o pacote pronto: contra ou a favor da Copa? E mesmo assim, 40%
responderam: sou CONTRA!
No segundo quadro, retirado da
pesquisa de opinião, pede-se que o entrevistado dê uma nota de 01 a 10, para se
aferir o nível de apoio às manifestações contra a Copa no Brasil. A nota média
foi 4,5. Se levarmos em conta somente a frieza dos números, chegaremos à
conclusão de que as manifestações foram reprovadas pela população. E toma-lhe
comemoração dos governistas. Mas sugiro uma análise mais detalhada dos números,
que não mentem jamais, conforme o dito popular.
De acordo com o enunciado da
questão, dar a nota 1 (um) significa que o entrevistado “não apoia de jeito
nenhum” as manifestações. E foram 27% que deram essa nota. Disparado, o maior
percentual, se consideramos as notas individualmente. Apenas 7% deram nota 10
(dez) o que significa que “apoia totalmente” as manifestações. E toma-lhe
comemoração dos governistas: “viram? O povo é contra as manifestações”, diriam.
Mas há outros ângulos pelos
quais podem ser vistos os números. Ora, excetuando-se os 2% classificados como
“não sabe/não respondeu”, sobra um total de 71% que manifesta algum nível de
apoio aos protestos contra a Copa, respondendo com notas que variam de 2 (dois)
a 10 (dez).
E se levarmos em consideração
aqueles que deram notas entre 7 a 10, revelando um alto nível de apoio às
manifestações de rua, teremos 26% do total de entrevistados, número semelhante
aos que não apoiam.
Mais uma vez a manipulação dos
números pode ser colocada em prática pelos governistas: aqueles que não apoiam
as manifestações são todos colocados em um único grupo (nota 1,0),
representando 27% da população; e aqueles que manifestam algum nível de apoio
são divididos em nove grupos (notas 2,0 a 10), cujo máximo atinge 16% (nota
5,0).
A análise desses números é
interessante para entramos em um dos debates que percorre a esquerda brasileira
na atualidade: é um erro levantar a consigna “não vai ter copa”?
Alguns setores da esquerda dizem
que essa palavra de ordem é sectária e não dialoga com setores de massa da
classe trabalhadora. Segundo a pesquisa acima, 39% dos entrevistados com renda
familiar entre 2 a 5 salários mínimos, são CONTRA a realização da Copa no
Brasil. E nessa mesma faixa salarial 25% manifestaram alto nível de apoio aos
protestos de rua, dando notas de 7,0 a 10.
E se formos em direção à “classe
média”, onde estão boa parte dos trabalhadores organizados em sindicatos e
partidos de esquerda, observaremos números maiores: 46% dos entrevistados com
renda familiar acima de 5 salários mínimos (R$ 3.620,00), são CONTRA a Copa no
Brasil. E 35% dão notas de 7,0 a 10 às manifestações contra a Copa,
demonstrando alto nível de apoio aos protestos de rua.
Se considerarmos os números
totais (38%) daqueles que responderam ser CONTRA a Copa no Brasil, como um
reflexo da opinião do conjunto da população brasileira, teremos nada menos que 72
milhões de pessoas para dialogar (ou cerca de 52 milhões de eleitores). Não é um número nada desprezível. Ainda mais
se o compararmos com os números dos eleitores de alguns candidatos do PSOL e
PSTU à presidência da República em 2006 (Heloísa Helena, 6,5 milhões de votos)
e 2010 (Zé Maria, 84.600 votos).
A palavra-de-ordem “não vai ter
copa” não dialoga com um expressivo setor de massas da classe trabalhadora??? Bem, como diz o ditado popular, “os números não mentem”, jamais...